sexta-feira, 4 de outubro de 2013

LIVROS POÉTICOS E SAPIENCIAIS

Os Escritos
A Bíblia Hebraica, após as suas duas primeiras seções, conhecidas respectivamente como a Lei e os Profetas, contém uma terceira, chamada de modo genérico de os Escritos (ketubim).
Esta terceira seção consiste num conjunto de treze livros: Rute, 1 e 2 Crônicas, Esdras, Neemias e Ester; outros seis são poéticos: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cantares de Salomão e Lamentações de Jeremias; e um, Daniel, é de evidente concepção profética e apocalíptica.
Os gêneros literários das obras que integram o grupo dos Escritos se acham misturados. O mesmo, em maior ou menor grau, ocorre também em outros livros da Bíblia. Recorde-se a esse respeito a forma poética de certas passagens dos Profetas (p. ex., Is 40—55, jóia da poesia do Antigo Oriente) ou do Pentateuco (Gn 49.2-27; Êx 15.2—18.21). Quanto às características da poesia hebraica, ver a Introdução aos Salmos.
 
Gêneros literários
Amalgamando temas e estilos, os ketubim dão um destacado lugar ao gênero sapiencial (do latim sapientia, ou seja, “sabedoria”), especialmente representado por Jó, Provérbios, Eclesiastes, por certos salmos e por algumas passagens de outros livros.
A sabedoria que esses escritos didáticos fazem permanente referência, tentando inculcá-la nos seus leitores, é de caráter eminentemente prático; não consiste tanto em um apelo teórico quanto numa exortação para saber viver, ou seja, para que o comportamento da pessoa seja adequado a todas e a cada uma das múltiplas circunstâncias da vida, que cada qual deve desempenhar de maneira correta no papel que lhe corresponde representar no meio da comunidade humana a que pertence. Assim como o bom artesão possui uma espécie de “sabedoria” que o capacita para esculpir madeira, forjar metal, engastar pedras preciosas ou compor belas telas (cf. Êx 35.31-35), também “o sábio”, segundo a perspectiva bíblica, possui a habilidade, a agudeza e as qualidades precisas para enfrentar com êxito as contingências da vida, quaisquer que sejam.
A sabedoria é, essencialmente, um dom de Deus desenvolvido prontamente pela experiência e pela reflexão. Porque a experiência do cotidiano é também, por sua vez, fonte inesgotável de sabedoria para aquele que anda com os olhos bem abertos e não se agrada da sua própria ignorância. Por isso, o sábio observa a realidade, julga aquilo que vê e, finalmente, comunica aos seus discípulos aquilo que ele mesmo aprendeu primeiro do seu relacionamento pessoal com o mundo circundante.
Para transmitirem o seu ensinamento, os sábios recorrem freqüentemente ao provérbio ou à reflexão que se acha nos Ketubim sob duas diferentes formas: a admoestação e a sentença. A primeira se reconhece logo pela freqüência do uso do modo verbal imperativo, empregado para aconselhar e exortar os discípulos acerca do caminho que devem seguir (cf. Pv 19.18; 20.13; Ec 7.21). A segunda, a sentença, consiste na breve descrição objetiva de uma realidade comprovável, de um fato sobre o qual não se pronuncia nenhuma espécie de juízo moral (cf. Jó 28.20; 37.24; Pv 10.12; 14.17; Ec 3.17; Ct 8.7).
Junto com essas fórmulas proverbiais, a Bíblia recolhe outros modelos didáticos utilizados pelos sábios para a transmissão dos seus conhecimentos: o poema sapiencial (Pv 1—9), o diálogo (Jó 3—31), a digressão no discurso (característica de Eclesiastes), a alegoria (Pv 5.5-19) e também a oração e o cântico de louvor (formas características dos Salmos).
Caráter e temas
Mediante a comunicação dos seus conhecimentos, da sua experiência e da sua fé em Deus, os sábios de Israel tencionam que os seus discípulos, a quem eles costumavam chamar de filhos (cf. Pv 1.8), aprendam a importância de desenvolver determinados aspectos práticos da vida. Entre esses aspectos, podem ser citados o autodomínio, especialmente no falar (Jó 15.5; Pv 12.18; 13.3), a dedicação ao trabalho (cf. Jó 1.10; Pv 12.24; 19.24; Ec 2.22) e o exercício da humildade, que não é debilidade de caráter, mas antítese da arrogância e do excesso de confiança em si mesmo (Jó 26.12; Pv 15.33; 22.4). Os sábios também valorizam altamente a amizade sincera (Jó 22.21; Pv 17.17; 18.24), ao passo que condenam a mentira e o falso testemunho (Jó 34.6; Pv 14.25; 19.5). Além disso, exortam a preservar a fidelidade conjugal (Pv 5.15-20), a tratar generosamente os necessitados (Jó 29.12; 31.16-23; Pv 17.5; 19.17; Ec 5.8) e a praticar a justiça (cf. Pv 10.2; 21.3,15,21).
Característico da literatura sapiencial é o tema da justiça retribuidora. Conforme esta, Deus recompensa o justo de conduta e castiga o mau (cf. Jó 34.11,33; Pv 11.31; 13.13), de quem são respectivamente figura o sábio e o néscio. De modo semelhante, os discípulos que seguem os conselhos de seu mestre serão premiados com o dom da vida, enquanto que a necessidade de outros (não ainda a intelectual, mas a de uma conduta ética vituperável) lhes acarretará a morte.
Importantes são também, sobretudo em e Eclesiastes, os aportes dos sábios ao problema sempre atual do sofrimento humano (Jó 11; 22.23-30; 36.7-14; Pv 2; Ec 3.16-18; cf. Rm 11.33; 1Co 2.6-16) e da inevitabilidade da morte (Jó 17.16; 20.11; 33.19-22; 34.10-30; Pv 18.21; 24.11-12; Ec 8.8).
A sabedoria
Nos escritos sapienciais, não só se escuta a voz dos sábios de Israel, mas também, às vezes, se deseja ouvir a dos sábios de outros povos (Pv 30.1; 31.1). E, em certas ocasiões, inclusive a Sabedoria (personificada) fala e convida a todos a receberem o seu ensinamento, que é tesouro de valor incomparável (Pv 8.10-11). Como uma diligente dona de casa, a Sabedoria preparou um banquete do qual deseja que todos participem (cf. Pv 9.1-6). Em contraposição a ela, e também personificada, a Loucura tenta atrair com seduções e falsos encantos os ingênuos e os inexperientes (Pv 9.13-18).
Numa etapa posterior da sua história, o povo hebreu identificou a sabedoria com a Lei (lit. “instrução”) promulgada por Moisés no monte Sinai. Assim, Pv 1.7 estabelece que “o temor do Senhor é o princípio da ciência” (cf. Sl 111.10; Pv 9.10) e Jó 28.28 afirma que “o temor do Senhor é a sabedoria, e apartar-se do mal é a inteligência”, o que contém uma admoestação característica da lei mosaica e também de toda a Bíblia.
PROVÉRBIOS
O livro
Contém 31 capítulos e 915 versículos.
O Livro de Provérbios (= Pv) pertence ao grupo dos que são denominados genericamente “poéticos e sapienciais”. (Ver a Introdução aos Livros Poéticos e Sapienciais.) Ele é composto por uma série de coleções que, em forma de máximas, refrães, ditos e poemas, transmitem a antiga herança de sabedoria de Israel. O conteúdo, no seu conjunto, é encabeçado pelo título “Provérbios de Salomão, filho de Davi, rei de Israel” (1.1), razão pela qual a obra completa foi atribuída freqüentemente àquele monarca, célebre pela sua sabedoria e autor de três mil provérbios e mil e cinco cânticos (1Rs 4.29-34).
De fato, uma leitura atenta do livro realça rapidamente a complexidade da sua composição, que é maior do que se possa supor à primeira vista. Além de Salomão, são citados como autores ou compiladores de sentenças e ditos: Agur, filho de Jaque (30.1), e o rei Lemuel (31.1), ambos, segundo se crê, oriundos da tribo de Massá, descendentes de Ismael (Gn 25.14). Em três ocasiões, se especifica que Salomão é autor dos provérbios que seguem (1.1; 10.1; 25.1); em outras duas, se atribuem aos “sábios” (22.17; 24.23), e em uma é mencionada a colaboração dos copistas a serviço de Ezequias, rei de Judá (25.1).
Os Provérbios e a sabedoria popular
A história de todos os povos está cheia de fatos e acontecimentos nos quais o ser humano sempre tratou de compreender as chaves da sua própria realidade e a sua relação com o mundo que o rodeia e de adotar os comportamentos idôneos para todo momento e circunstância da sua existência. A infinita variedade de fenômenos conhecidos e a observação de muitos deles, repetidos de maneira regular e cíclica, permitiu enriquecer a experiência de cada geração e deduzir as atitudes que melhor convêm para o desenvolvimento da vida e da cultura da humanidade.
A mais genuína sabedoria popular se baseia nessa experiência, acumulada e transmitida de pais a filhos, freqüentemente em forma de máximas simples que, em geral, são como lições de moral brevíssimas e fáceis de se reter na memória. A validez de algumas delas, às vezes, fica limitada a um grupo humano de determinadas características de raça, nação, religião, idioma ou costumes. Mas também há aquelas que passam de um povo a outro e de uma a outra época. Trata-se, neste segundo caso, de pensamentos de valor universal que podem se integrar de imediato em culturas alheias à de origem. Assim ocorre em boa medida com Provérbios, onde, por outro lado, também se avaliam reflexos de sabedoria popular não-israelita: mesopotâmica, egípcia e de outros povos do Antigo Oriente Médio; p. ex., as duas coleções de refrães atribuídas respectivamente a Agur e Lemuel (30.1-33 e 31.1-9) ou o paralelismo existente entre Pv 22.17—23.12 e um famoso texto do escriba egípcio Amenemope, por volta do ano 1000 a.C.
Um provérbio de conteúdo sapiencial é denominado de mashal em hebraico, palavra aparentada com uma raiz que, além de outros significados, inclui o de “dominar” ou “reger”. Essa idéia tipifica um autêntico mashal como uma expressão persuasiva e estimulante, seja qual for a forma em que se apresente: como provérbio ou refrão propriamente dito, como máxima moral ou sentença que avalia e compara diversas condutas e atitudes adotadas frente à vida. Em algumas ocasiões mashal significa também parábola, alegoria, fábula e inclusive adivinhação.
A sabedoria no Livro de Provérbios
A sabedoria de Provérbios se centra acima de tudo nos âmbitos da vida que não são regulados por ordenanças cúlticas ou mandamentos expressos pelo Senhor. Por essa razão, a maior parte do livro não se refere a temas propriamente religiosos. Refere-se, muito mais, aos temas que são específicos da existência humana, seja na sua dimensão pessoal (o indivíduo) ou coletiva (a família e a sociedade em geral): a educação (13.24), a família (12.4; 19.14; 21.9; 31.10-31), o adultério (6.24; 23.27), o relacionamento entre pais e filhos (10.1; 28.24; 30.17), o relacionamento entre o rei e os seus súditos (14.35; 22.29; 25.6; cf. 16.12) e a honradez nos negócios (11.1; 20.10,23). Em alguns textos, se colocam questões gerais de moral (cf. 12.17; 15.21), e em outros são propostas regras de urbanidade e conduta social (23.1-3; 25.17; 27.1). Em todos esses casos, o evidente é que Provérbios considera a sabedoria como um princípio essencialmente prático, fundamentado na observação, na experiência e no sentido comum e orientado para os múltiplos aspectos da atividade humana.
Contudo, não seria correto esquecer que a religião de Israel também marcou com o seu próprio selo essa sabedoria, que se adquire por meio da experiência. Prova disso é a afirmação que abre a primeira das coleções de provérbios: “O temor do Senhor é o princípio da ciência” (1.7; 9.10; cf. Jó 28.28; Sl 111.10). Isso significa que a única sabedoria verdadeira é a que implica uma forma de vida baseada na obediência a Deus e se manifesta no amor à bondade e à justiça (9.10; 31.8-9; cf. 17.15,23; 18.5). E no poema em que é elogiada a mulher virtuosa, com o que também se encerra o livro (31.10-31), se volta a fazer menção do temor do Senhor (v. 30).
Em Provérbios, a mente dos sábios de Israel aparece como subjugada pela doutrina da retribuição, isto é, do prêmio ou do castigo que merece a ação humana, seja ela boa ou má. Essa idéia, que se apresenta freqüentemente, é enunciada de modo terminante em 11.31: “Eis que o justo é punido na terra; quanto mais o ímpio e o pecador!” (cf. 3.31-35; 12.7,14; 17.5; 24.12; 28.20). Mas, como a experiência demonstra que nem sempre a felicidade é nesta vida coroa da virtude, também a desgraça não é coroa da maldade (cf. Sl 73.1-12; Jr 12.1-2), chegou um momento, no qual o pensamento da retribuição, havendo entrado em crise, deu lugar ao gratificante ensino do amor e perdão de Deus, já acolhido em livros como e Eclesiastes.
Esboço:
1. Introdução (1.1-7).
2. Primeira coleção: Poemas (1.8—9.18).
3. Segunda coleção: “Provérbios de Salomão” (10.1—22.16).
4. Terceira coleção: “Palavras dos sábios” (22.17—24.22).
5. Quarta coleção: “Provérbios dos sábios” (24.23-34).
6. Quinta coleção: “Provérbios de Salomão” (25.1—29.27).
7. Sexta coleção: “Palavras de Agur” (30.1-33).
8. Sétima coleção: “Palavras do rei Lemuel” (31.1-9).
9. Apêndice: “O louvor da mulher virtuosa” (31.10-31).
ECLESIASTES
Contém 12 capítulos e 222 versículos.
O título do livro
Eclesiastes é o título que, na Septuaginta (LXX), recebe o livro chamado de Qohelet no texto hebraico da Bíblia. Ambos os vocábulos, o grego e o hebraico, significam praticamente o mesmo: “pregador”, “orador”, “pessoa encarregada de convocar um auditório e dirigir-lhe a palavra”. E, em ambos os casos, trata-se de termos derivados: Qohelet deriva de qahal, raiz hebraica que, com a idéia de “reunião” ou “assembléia”, ficou representada em grego pelo substantivo ekklesía, do qual, por sua vez, Eclesiastes (= Ec) é derivado. Uma peculiaridade que convém registrar é que, na Bíblia Hebraica, o termo qohelet aparece algumas vezes sem artigo e outras com ele, o que, no primeiro caso, dá o sentido de um nome próprio (1.12; 7.27; 12.9) e, no segundo, de “funcionário”, de um título profissional (12.8). Tal distinção não é feita na presente tradução.
O autor
Eclesiastes é o mais breve dos escritos sapienciais. O seu autor foi, provavelmente, um sábio judeu da Palestina do período em que a cultura helenística encontrava-se em pleno processo de expansão por todo o Oriente Próximo. Os seus esforços eram presididos pelo seu amor à verdade e por comunicá-la de forma idônea, com as palavras mais adequadas (12.9-10). Foi um pensador original e crítico, que não se conformava em repetir idéias alheias ou aceitar sem exame os postulados que a tradição dava por irrefutáveis.
Sem mencionar expressamente a Salomão, o autor refere-se a ele quando cita o “filho de Davi, rei de Jerusalém” (1.1,12) e quando enumera (na primeira pessoa) as suas obras e riquezas (2.4-9). Tais alusões contribuíram, sem dúvida, para dar crédito a Eclesiastes e a que fosse atribuído a Salomão, o rei sábio por excelência. Contudo, o hebraico característico da sua redação e as idéias nele expostas correspondem a uma época posterior.
O conteúdo de Eclesiastes
Mais que um discurso pronunciado perante uma assembléia, este livro parece um solilóquio. É uma espécie de discussão do autor consigo mesmo, interna, da qual freqüentemente considera realidades opostas entre si: a vida e a morte, a sabedoria e a estultícia, a riqueza e a pobreza. Nessa contraposição de conceitos, os aspectos negativos da realidade aparecem realçados e expostos num tom de profundo pessimismo. Contudo, em nenhum momento Eclesiastes chega ao extremo de menosprezar ou negar quanto de valoroso tem a vida; nunca deixa de reconhecer os aspectos positivos que fazem parte da existência e da experiência do ser humano; trabalho, prazer, família, bens ou sabedoria (2.11,13). Porém têm um valor relativo, de modo que nenhum deles (nem cada um particularmente, nem todos juntos) chega a satisfazer os anseios mais profundos do coração.
O Pregador se interroga pelo sentido da vida. Com absoluta sinceridade coloca a questão que mais o preocupa e que ele reduz a termos concretos perguntando-se: “Que vantagem tem o homem de todo o seu trabalho, que ele faz debaixo do sol?” (1.3), o que equivale a: Que deve conhecer, saber e fazer o ser humano para viver de maneira plenamente satisfatória?
Na busca da resposta que melhor convém a essa pergunta fundamental, o escritor analisa e critica com sistemática atenção os diversos caminhos que poderiam conduzi-lo ao seu objetivo: o prazer (2.1), a sabedoria (1.13) ou a realização de grandes obras (2.4). Mas descobre que ao término de todos os seus esforços o espera idêntica decepção, o que ele resume nas poucas palavras do seu célebre aforismo: “Vaidade de vaidades! — diz o Pregador, vaidade de vaidades! É tudo vaidade” (1.2; 12.8). Porque, no fim das contas, a atividade de Deus no mundo é um mistério impenetrável para a sabedoria humana, incapaz ela mesma de descortinar o véu que o envolve. Eclesiastes trata de decifrar o enigma da existência e de penetrar no sentido das coisas apoiando-se tão-somente na sua experiência pessoal e nos seus próprios raciocínios. Essa atitude crítica o distanciou do sereno otimismo que revela o Livro de Provérbios e o impediu de compartilhar da grande esperança dos profetas do povo de Israel; contudo, conclui com a afirmação de que “o dever de todo homem” (12.13) encontra-se no relacionamento deste com Deus.
Esboço:
1. A experiência do Pregador (1.1—2.26)
2. Juízos do Pregador em torno da existência humana (3.1—12.8)
3. Conclusão (12.9-14)

FONTE: Sociedade Bíblica do Brasil. (2002; 2005). Bíblia de Estudo Almeida Revista e Corrigida.

0 comentários:

Postar um comentário